O LIVRO

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quinta-feira, 6 de março de 2014

NOSSA LITERATURA - Os Meus Sonhos - CASIMIRO DE ABREU



Os Meus Sonhos

Como era belo esse tempo
De tão doces ilusões,
De tardes belas, amenas,
De noites sempre serenas,
De estrelas vivas e puras;
Quadra de riso e de flores
Em que eu sonhava venturas,
Em que eu cuidava de amores.

Ah! minha infância saudosa,
Que me mostravas à mente,
Nesse viver inocente,
Tão verdejante e florida
A longa estrada da vida,
Que é toda tão escabrosa!
E eu, inexperta criança,
Que tinha fé no porvir
Por ver o mar em bonança
E minha mãe a sorrir!…
E julguei que era verdade!
E acreditava nos sonhos
Feiticeiros e risonhos!…
Ilusões da mocidade
Cheias de terna magia,
Nascem douradas e belas
Como o fulgor das estrelas…
E morrem no mesmo dia!…

* * *

Sonhei que o mundo era um prado
Lindo, lindo, matizado
Das flores do meu jardim;
Sonhei a vida uma estrada
De gozos entrelaçada,
De gozos que não têm fim.

Esses sonhos de magia
Criei-os na fantasia
À meiga luz do luar,
E quando conta segredos
Na rama dos arvoredos
Na brisa que beija o mar.

Sonhei-os assim brilhantes
Naqueles doces instantes
De silêncio e de oração;
Quando as estrelas seduzem
E qunado os lábios traduzem
As vozes do coração.

Sobre o peito reclinada
Eu tinha a fronte inspirada
Duma formosa mulher,
E fraco um raio da lua
Beijando-lhe a face nua
Dava-lhe brilho e poder.

De certo a lua serena
Um rosto como o de Helena
Nunca, nunca iluminou;
E nunca ouvirei na vida
Voz mais terna e mais sentida
Dizer-me: – Sou tua, sou!

Numa noite mui fagueira,
Como visão prazenteira,
Por entre beijos de amor,
eu vi surgir uma estrela
Linda, linda, muita bela,
Com doce e meigo fulgor.

Na perdida fantasia,
De luz, de amor, de alegria
Abrilhantarei o porvir;
E segui, qual mariposa,
Aquela chama formosa,
Que eu via ao longe luzir!

Mentira, tudo mentira!
Os meus sonhos... ilusões!
As cordas da minha lira
Já não soletram canções,
A mente já não delira,
E se louco num momento
Revolvo no pensamento
Esse passado de amores...
Se triste o peito suspira...
Eu ouço um eco da terra
Bradar-me com voz que aterra:
Mentira, tudo mentira!

Foram sonhos. Eram lindos,
Eram lindos... mas passaram!
E desses sonhos já findos
Só lembranças me ficaram.
Só lembranças bem saudosas
Dessas noites tão formosas
Em que os sonhos despertaram,
Só lembranças desses sonhos,
Desses sonhos que passaram!...

Hoje vivo, se é que vida
Andar co'a fronte pendida
Calado e triste a cismar;
E nessa imensa tristeza,
Nessas horas d'incerteza
Em que adormece o luar,
Em que toda a natureza
E' silêncio, amor e paz,
Eu sinto a alma saudosa
Perguntar com voz queixosa:
— Lindos sonhos, onde estais?!
Então um eco medonho
Responde por cada sonho
C'um gemido... e nada mais!

A minha sina cumpriu-se,
A sina que Deus me deu!
O eco responde triste:
A linda estrela – sumiu-se!
A tua Helena – morreu!

                    Casimiro de Abreu


Casimiro José Marques de Abreu (Silva Jardim, 4 de janeiro de 1839 — Nova Friburgo, 18 de outubro de 1860) foi um poeta brasileiro da segunda geração romântica.

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