O LIVRO

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segunda-feira, 21 de novembro de 2016

Nossa Literatura - TUAS PALAVRAS, AMOR - Henriqueta Lisboa







TUAS PALAVRAS, AMOR
       Henriqueta Lisboa

Como são belas e misteriosas tuas palavras, Amor!
Eu não as tinha pressentido,
eu era como a terra sonolenta e exausta
sob a inclemência do céu carregado de nuvens,
quando, igual a uma chuva torrencial de verão,
tuas palavras caíram da altura em cheio
e se infiltraram nos meus tecidos.

O' a minha pletora de alegria!...
As árvores bracejaram recebendo as bátegas entre as ramas,
as corolas bailaram numa ostentação de taças repletas,
os frutos amadurecidos rolaram bêbedos no solo.
E eu vivi a minha hora máxima de lucidez e loucura
sob a chuva torrencial de verão!

Como são belas e misteriosas tuas palavras, Amor!...
Minha alma era um rochedo solitário no meio das ondas,
perdido de todas as cousas do mundo,
quando, ao passar dentro da noite na tua caravela fuga,
tu me enviaste a mensagem suprema da vida.
A tua saudação foi como um bando de alvoroçadas gaivotas
subindo pelas escarpas do rochedo, contornando-lhe as arestas,
aureolando-lhe os cumes.

E a minha alma esmoreceu ao luar dessa noite,
ilha branca da paz, num sonho acordado...
Amor, como são belas e misteriosas as tuas palavras!...




Nossa Literatura - HENRIQUETA LISBOA

Henriqueta Lisboa



OS LÍRIOS, de A Face Lívida (1945)

Certa madrugada fria
irei de cabelos soltos
ver como crescem os lírios.

Quero saber como crescem
simples e belos — perfeitos! —
ao abandono dos campos.

Antes que o sol apareça
neblina rompe neblina
com vestes brancas, irei.

Irei no maior sigilo
para que ninguém perceba
contendo a respiração.

Sobre a terra muito fria
dobrando meus frios joelhos
farei perguntas à terra.

Depois de ouvir-lhe o segredo
deitada por entre os lírios
adormecerei tranqüila.


SERENA, de Azul Profundo (1950-1955)

Essa ternura grave
que me ensina a sofrer
em silêncio, na suavidade
do entardecer,
menos que pluma de ave
pesa sobre meu ser.

E só assim, na levitação
da hora alta e fria,
porque a noite me leve,
sorvo, pura, a alegria,
que outrora, por mais breve,
de emoção me feria.




HENRIQUETA LISBOA

Henriqueta Lisboa (1901-1985), poeta mineira considerada pela crítica um dos grandes nomes da lírica modernista, dedicou-se à poesia, ensaios e traduções. Nasceu em Lambari, Minas Gerais, em 15 de julho de 1901, filha do farmacêutico e deputado federal João de Almeida Lisboa e de Maria Rita Vilhena Lisboa. Formou-se normalista pelo Colégio Sion de Campanha, MG, e, em 1924, mudou-se para o Rio de Janeiro.

Dedicou-se à poesia desde muito jovem. Com Enternecimento, publicado em 1929, de forte caráter simbolista, recebeu o Prêmio Olavo Bilac de Poesia da Academia Brasileira de Letras. Aderiu ao Modernisno por volta de 1945, fortemente influenciada pela amizade com Mário de Andrade, com quem trocou rica correspondência entre os anos de 1940 e 1945. Sua produção inclui, além da poesia, inúmeras traduções, ensaios e antologias. Foi a primeira mulher eleita para a Academia Mineira de Letras em 1963
.
Em 1984, recebeu o Prêmio Machado de Assis da Academia Brasileira de Letras pelo conjunto de sua obra. Foi professora de Literatura Hispano-Americana e Literatura Brasileira na Pontifícia Universidade Católica (Puc Minas) e na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).

Poeta sensível, dedicou sua vida à poesia. Considerada um dos grandes nomes da lírica modernista pela crítica especializada, Henriqueta manteve-se sempre atuante no diálogo com os escritores e intelectuais de sua geração e angariou muitos leitores ilustres durante sua vida, dentre eles Mário de Andrade, Carlos Drummond de Andrade, Manuel Bandeira, Cecília Meireles e Gabriela Mistral.

Sobre sua poesia, Drummond nos deixou o seguinte testemunho: “Não haverá, em nosso acervo poético, instantes mais altos do que os atingidos por esta tímida e esquiva poeta.”

Henriqueta faleceu em Belo Horizonte, no dia 9 de outubro de 1985. Seu Centenário foi comemorado ao longo do ano de 2002 e, além de inúmeros eventos culturais em sua homenagem, várias reedições de sua obra foram feitas com o objetivo de revelar a força de sua poesia para os jovens de hoje.

Nossa Literatura - CECÍLIA MEIRELES - Poema inédito é descoberto em livro de Cecília Meireles


Cecília Meireles


Cecília Meireles, uma das mais brilhantes poetisas que o Brasil teve o prazer de ter nos revelado mais uma bela arte, mesmo já tendo nos deixado em 1964.

Ulisses Infante, professor da Unesp de São José do Rio Preto, encontrou poema inédito em livro de Cecília Meireles. A descoberta foi publicada dia 8 de março deste ano de 2016, Dia Internacional da Mulher, pelo jornal O Estado de São Paulo.

“Rimance das Donas de Portugal” é um poema de Cecília Meireles esquecido nas páginas de uma publicação dirigida à colônia portuguesa do Brasil, Lusitânia, que, entre 1929 e 1934, teve 118 números. O poema foi escrito há 84 anos e sua leitura ficou restrita à comunidade portuguesa que vivia no Rio no início dos anos 1930. Cecília declamou o poema num evento beneficente promovido pelo Centro do Minho em 4 de outubro de 1931 e o texto foi publicado no número 67 da revista, datado de 31 de outubro.



Trata-se de um poema narrativo que, em sequência cronológica, enumera figuras femininas da história e da literatura portuguesas e assim destaca o protagonismo dessas mulheres no processo histórico e na significação artística. Além das menções à biografia ou ao valor simbólico de personagens como D. Tareja, D. Leonor Teles, D. Filipa de Lencastre, D. Inês de Castro e outras, e das inúmeras referências intertextuais com a tradição literária de língua portuguesa, o poema faz ponderações sobre o sentido dos fatos, valores e conceitos a que essas mulheres se vinculam, prefigurando o processo de narrar e meditar sobre o sentido da história e da existência que Cecília empregará magistralmente no Romanceiro da Inconfidência.

Rimance das Donas de Portugal


Este é o singelo rimance
Por onde ha-de ir, bem ou mal,
Uma palavra de alcance,
Ainda que de relance,
As Donas de Portugal.
Do Portugal pequenino,
Mapa ainda em formação,
Entre os dedos do destino
Que o tirou como a um menino
De dentro do coração…


…Tempo de antanho indeciso,
Quando o tropel das pelejas
Mata ou exalta de improviso…
Paira sôbre êle o sorriso
Das Urracas e Tarejas.
Enquanto Portugal cresce,
Enquanto a conquista escalda,
Detrás da luta aparece
O vulto, que se esmorece,
De alguma Aldonça ou Mafalda…


Figuras mansas, de escassos
Perfis, sem côres nem brilhos.
Postas nos salões dos paços
Entre harpas de timbres lassos
E encantos de remedilhos
Graça dos tempos distantes.
Dos amigos alongados,
Em que se contam instantes
Da ausência dos inconstantes
Falando aos pinos calados.


Tempos de trovas discretas…
Sanchas, Brancas, Leanores…
Quando havia reis poetas
Que, com falas incompletas,
Iam trovando de amores…
E, entre místicas infantas,
De figuras nebulosas,
Assim, ó tempo, levantas,
Rostos de rainhas-santas
Que mudavam pães em rosas…


Outros rostos vêm à tona…
Vêm nas águas do Mondego…
Uma Dona e outra Dona…
E é o fado que as abandona,
Perdidas no seu socêgo…
“Eu era moça e menina,
Por nome, D. Inês…”
Era uma vez uma sina…
Mais uma espada assassina…
E um príncipe… Era uma vez…


Ó coração que sempre amas!
Ó amor, que à desgraça impéles…
Como um sol de estranhas flamas,
Entre as suas nobres damas,
Aparece Leonor Teles.
D. Filipa descerra,
Do alto, a nova dinastia,
Que, após os feitos de guerra,
Há de sonha algum dia
Com a forma oculta da terra…


E este cantar se abandona
Ao gôsto de recordar
A primeira triste Dona
De olhos postos sôbre o mar
Que os navios aprisiona…
Cada noiva real, preciosa…
E cada infanta suave, e cada
Princesa, mais que uma rosa
Sensível e delicada…
E Joana, “desesperada,
Mui triste… muito chorosa…”

No tempo de náus e velas…
No paço se encontrarão
Brites e Marias belas
E a luz que se anima entre elas,
de Francisca de Aragão…
Romabisa… Aonia… Sombria
Estrada de Pastoral…
Ai de quem te viu um dia!
(“A ela chamavam Maria
E ao pastor Crisjal…”)


Serranas vão para os montes.
Poetas vão para naufrágios,
Bem além dos horizontes…
E o amor fez de olhos fontes
Com água de velhos presságios…
Anda vagando pelo ar
Natércia, desconhecida…
Lereno oferece a vida
A alguém que lhe queira dar
Uma esperança perdida…


Pastorinhas encantadas…
Passam rebanhos, sanfonas…
Amadas e desamadas.
Misteriosas, tristes Donas…
E as Donas belas ou feias
Que não teve o Sonhador
Que ao seu sonho as fez alheias,
Namorado das areias
Onde, emfim, morreu de amor…


Madalena de Vilhena
Rompe os espaços, demente,
E o ar se enche de estrenha cena
Em que o fantasma lhe acena
Com gestos de antigamente…
Mas a tréva é iluminada
E o grande horror se dissipa
Quando, empunhando uma espada,
Arma os filhos, clama e brada,
A, de Vilhena, Filipa


O rimance encontra agora,
Como um pássaro no dia,
Donas em que o sonho mora
Vestido de nostalgia…
Velhos nomes de convento:
Violante do Céo… Leonarda…
E aquela em que o sentimento
Faz da desgraça alimento.
– Mariana, a que Deus não guarda…


E as musas passam veladas…
Sono de mágua e desengano…
Mortas figuras caladas…
Grandes paixões torturadas
Unindo Garret a Elmano…
Donas tôdas silenciosas,
Que valeram o universo,
Que nunca foram ditosas,
E morreram como rosas
Dando perfume a algum verso…


Donas mórbidas, vestindo
Seus trajes de cemitério,
E pôndo um sorriso lindo
– Para o fazer mais infindo –
Sobre seu grande mistério…
Donas de pálido rosto,
De violáceas olheiras,
Contemplando, no sol posto,
Tecer-se o véu do desgôsto
Pelas nuvens – fiandeiras…


E as donas que não tiveram
Sua morada nos paços…
Que entre monte e val nasceram,
E em val e monte viveram,
Namoradas dos espaços…
Que encheram da côr dos astros
A ânfora clara do olhar,
E sonharam náus e mastros,
E choraram sôbre os rastros
Dos filhos dados ao mar…


Donas simples, donas fortes,
Donas mortas, donas vivas,
Donas de diversas sortes,
Donas humildes e altivas,
Descuidadas, pensativas,
– Este rimance foi feito,
Donas! Para vos saudar.
Em cada verso imperfeito
O coração toma o geito
De uma vela a navegar…


Sóis tôdas aqui presentes,
Donas de antanho e de agora,
Da estirpe daquelas gentes
De largos sonhos ardentes
Partidos por mar afóra.
Gentes de perpétua lenda,
Que se fizeram assim
Como que se aprenda
Que a sua vida é uma senda
Para rimances sem fim…


**O significado de RIMANCE =  Pequeno canto épico.O romance, ou rimance, tem, na teoria dos géneros literários, formulações diversas: é relato de aventuras, é narrativa que tanto pode abarcar registos em verso como em prosa, e tem, como substrato temático e ideológico, um horizonte de expectativas que passa pela compreensão do maravilhoso, mas também da verosimilhança, ou daquilo que são as categorias da narrativa tratadas de forma mais ou menos conservadoras.


Cecília Meireles

Cecília Benevides de Carvalho Meireles (Rio de Janeiro, 7 de novembro de 1901 — Rio de Janeiro, 9 de novembro de 1964) foi uma poetisa, pintora, professora e jornalista brasileira. É considerada uma das vozes líricas mais importantes das literaturas de língua portuguesa.
Cecília Benevides de Carvalho Meireles nasceu no bairro da Tijuca, Rio de Janeiro, em 7 de novembro de 1901, filha dos açorianos Carlos Alberto de Carvalho Meireles, um funcionário de banco, e Matilde Benevides Meireles, uma professora. Cecília Meireles foi filha órfã criada por sua avó açoriana, D. Jacinta Garcia Benevides, natural da ilha de São Miguel. Seu pai morreu três meses antes do seu nascimento, e sua mãe morreu quando ela tinha dois anos. Aos nove anos, ela começou a escrever poesia. Frequentou a Escola Normal no Rio de Janeiro, entre os anos de 1913 e 1916 estudou línguas, literatura, música, folclore e teoria educacional.
Em 1919, aos dezoito anos de idade, Cecília Meireles publicou seu primeiro livro de poesias, Espectros, um conjunto de sonetos simbolistas. Embora vivesse sob a influência do Modernismo, apresentava ainda, em sua obra, heranças do Simbolismo e técnicas do Classicismo, Gongorismo, Romantismo, Parnasianismo, Realismo e Surrealismo, razão pela qual a sua poesia é considerada atemporal.
No ano de 1922 casou com o artista plástico português Fernando Correia Dias, com quem teve três filhas. Seu marido, que sofria de depressão aguda, suicidou-se em 1935. Voltou a se casar, no ano de 1940, quando se uniu ao professor e engenheiro agrônomo Heitor Vinícius da Silveira Grilo, falecido em 1972. Dentre as três filhas que teve, a mais conhecida é Maria Fernanda que se tornou atriz.
Teve ainda importante atuação como jornalista, com publicações diárias sobre problemas na educação, área à qual se manteve ligada, tendo fundado, em 1934, a primeira biblioteca infantil do Brasil. Observa-se ainda seu amplo reconhecimento na poesia infantil com textos como Leilão de Jardim, O Cavalinho Branco, Colar de Carolina, O mosquito escreve, Sonhos da menina, O menino azul e A pombinha da mata, entre outros. Com eles traz para a poesia infantil a musicalidade característica de sua poesia, explorando versos regulares, a combinação de diferentes metros, o verso livre, a aliteração, a assonância e a rima. Os poemas infantis não ficam restritos à leitura infantil, permitindo diferentes níveis.
Em 1923, publicou Nunca Mais… e Poema dos Poemas, e, em 1925, Baladas Para El-Rei. Após longo período, em 1939, publicou Viagem, livro com o qual ganhou o Prêmio de Poesia da Academia Brasileira de Letras.Católica, escreveu textos em homenagem a santos, como Pequeno Oratório de Santa Clara, de 1955; O Romance de Santa Cecília e outros.
Em 1951 viajou pela Europa, Índia e Goa, e visitou pela primeira e única vez os Açores, onde na ilha de São Miguel contatou o poeta Armando César Côrtes-Rodrigues, amigo e correspondente desde a década de 1940.