O ACENDEDOR DE LAMPIÕES
Jorge de Lima
Lá vem o acendedor de lampiões da rua!
Este mesmo que vem infatigavelmente,
Parodiar o sol e associar-se à lua
Quando a sombra da noite enegrece o
poente!
Um, dois, três lampiões, acende e
continua
Outros mais a acender
imperturbavelmente,
E a palidez da lua apenas se pressente.
Triste ironia atroz que o senso humano
irrita: —
Ele que doira a noite e ilumina a
cidade,
Talvez não tenha luz na choupana em que
habita.
Tanta gente também nos outros insinua
Crenças, religiões, amor, felicidade,
Como este acendedor de lampiões da rua!
COUTINHO, Afrânio (org.). Jorge
de Lima. Obra Completa.
Rio de Janeiro: Editora José Aguilar, 1958, vol. I. p.208
Jorge de Lima |
A POESIA PRECISA E PRECIOSA DE JORGE DE LIMA
Personalidade artística complexa e diversificada, Jorge de
Lima nasceu na cidade de União, Alagoas, em 23 de abril de 1893 e morreu no Rio
de Janeiro,em 15 de novembro de 1953. Sua carreira de artista está marcada por
uma busca incessante de meios de expressão. Foi poeta, romancista, ensaísta,
pintor, escultor. E como poeta, seu princípio unificador, situou-se nas
cumeeiras da literatura brasileira. Seu roteiro poético inclui transformações
constantes. Fez poesia metrificada, poesia livre, livro de fotomontagem e poema
em prosa. Passou pela temática folclórica, religiosa. E publicou desde os XIV
Alexandrinos (1914), passando pelo antológico Essa Negra Fulô (1928), até os
originalíssimos versos de Anunciação e Encontro de Mira-Celi (1950), Livro de
Sonetos (1949) e Invenção de Orfeu (1952), poema épico em 10 cantos.
A um tempo regional e cósmico,clássico e modernista, profano
e místico, Jorge de Lima foi, talvez, o poeta mais versátil do Brasil e suas
metamorfoses chegaram até a irritar alguns críticos. Mas é necessário
reconhecer: em todas as fases Jorge de Lima nunca deixou de ser poeta --e dos
melhores. E o seu itinerário é coincidente com as principais etapas percorridas
pela poesia brasileira no século passado. Outro aspecto curioso foi relatado
por José Fernando Carneiro, médico e amigo de Jorge. Segundo Carneiro "os
77 sonetos que formam o Livro de Sonetos e mais 25 que não foram publicados, ao
todo mais de 100, foram escritos em estado hipnogógico, no espaço de 10 dias
apenas, levantando-se Jorge de Lima, às vezes de madrugada, e compondo de uma
vez três, quatro, cinco sonetos. Limitar-me-ei a referir que foram escritos em
momento de grande angústia, quando seu autor começou a sonhar acordado, e a
ver, diante de si, entre outras coisas, o galo da igreja do Rosário, a draga da
praia de Pajuçara bem defronte de sua casa, e a pretinha Celidônia, que morreu
afogada no rio Mundaú".
Por Rubens Jardim
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