O LIVRO

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sexta-feira, 19 de agosto de 2016

NOSSA HISTÓRIA - A Pátria - RUI BARBOSA

   
Rui Barbosa
A PÁTRIA

E a família, divinamente constituída, tem por elementos orgânicos a honra, a disciplina, a fidelidade, a benquerença, o sacrifício. É uma harmonia instintiva de vontades, uma desestudada permuta de abnegações, um tecido vivente de almas entrelaçadas. Multiplicai a célula, e tendes o organismo.

Multiplicai a família, e tereis a pátria. Sempre o mesmo plasma, a mesma substância nervosa, a mesma circulação sangüínea. Os homens não inventaram, antes adulteraram a fraternidade, de que Cristo lhes dera a fórmula sublime, ensinando-os a se amarem uns aos outros: “Diliges proximum tuuum sicut te ipsum”.

Dilatai a fraternidade cristã, e chegareis das afeições individuais às solidariedades coletivas, da família à nação, da nação à humanidade. Objetar-me-eis com a guerra!

Eu vos respondo com o arbitramento. O porvir é assaz vasto para comportar esta grande esperança. Ainda entre as nações, independentes, soberanas, o dever dos deveres está em respeitar nas outras os direitos da massa.

Aplicai-o agora dentro das raias desta: é o mesmo resultado; benqueiramo-nos uns aos outros, como nos queremos a nós mesmos. Se o casal do nosso vizinho cresce, enrica e pompeia, não nos amofine a ventura, de que não compartimos. Bendigamos, antes, na rapidez de sua medrança, no lustre da sua opulência, o avulsar da riqueza nacional, que se não pode compor da miséria de todos.

Por mais que os sucessos nos elevem, nos comícios, no foro, no parlamento, na administração, aprendamos a considerar no poder um instrumento de defesa comum, a agradecer nas oposições as válvulas essenciais da segurança da segurança da ordem, a sentir no conflito dos antagonismos descobertos a melhor garantia da nossa moralidade.

Não chamemos jamais de inimigos da pátria aos nossos contendores. Não averbemos jamais de traidores à pátria os nossos adversários mais irredutíveis.

A pátria não é ninguém: são todos; e cada qual tem no seio dela o mesmo direito à idéia, à palavra, à associação.

A pátria não é um sistema, nem é uma seita, nem um monopólio, nenhuma forma de governo: é o céu, o solo, o povo, tradição, a consciência, o lar, o berço dos filhos e o túmulo dos antepassados, a comunhão da lei, da língua e da liberdade. Os que a servem são os que não invejam, os que não inflamam, os que não conspiram, os que não sublevam, os que não desalentam, os que não emudecem, os que não se acobardam, mas resistem, mas ensinam, mas esforçam, mas pacificam, mas discutem, mas praticam a justiça, a admiração, o entusiasmo. Porque todos os sentimentos grandes são benignos e residem originariamente no amor. No próprio patriotismo armado o mais difícil da vocação, e a sua dignidade não está no matar, mas morrer. A guerra, legitimamente, não pode ser o extermínio, nem a ambição: é, simplesmente, a defesa. Além desses limites, seria um flagelo bárbaro, que o patriotismo repudia...

 Rui Barbosa, 1903.


quinta-feira, 18 de agosto de 2016

Nossa Literatura - POEMA - AINDA UMA VEZ ADEUS - Gonçalves Dias







Gonçalves Dias, escritor da época Romântica, poeta da primeira geração. Foi o primeiro grande poeta tipicamente brasileiro. Destacou-se na poesia lírico-amorosa, indianista e nacionalista.

Os trechos do poema que você vai ler pertence às mais belas páginas líricas escritas pelo autor. Foi inspirado na adolescente Ana Amélia, moça por qual se apaixonou e, apesar de ser correspondido, os pais dela não admitiram tal união.

AINDA UMA VEZ, ADEUS


Enfim te vejo! - enfim posso, 
Curvado a teus pés, dizer-te, 
Que não cessei de querer-te, 
Pesar de quanto sofri. 
Muito penei! Cruas ânsias, 
Dos teus olhos afastado, 
Houveram-me acabrunhado 
A não lembrar-me de ti!

II 
Dum mundo a outro impelido, 
Derramei os meus lamentos 
Nas surdas asas dos ventos, 
Do mar na crespa cerviz! 
Baldão, ludíbrio da sorte 
Em terra estranha, entre gente, 
Que alheios males não sente, 
Nem se condói do infeliz! 

III 
Louco, aflito, a saciar-me 
D'agravar minha ferida, 
Tomou-me tédio da vida, 
Passos da morte senti; 
Mas quase no passo extremo, 
No último arcar da esperança, 
Tu me vieste à lembrança: 
Quis viver mais e vivi!

IV 
Vivi; pois Deus me guardava 
Para este lugar e hora! 
Depois de tanto, senhora, 
Ver-te e falar-te outra vez; 
Rever-me em teu rosto amigo, 
Pensar em quanto hei perdido, 
E este pranto dolorido 
Deixar correr a teus pés. (...)

XVII 
Adeus qu'eu parto, senhora; 
Negou-me o fado inimigo 
Passar a vida contigo, 
Ter sepultura entre os meus; 
Negou-me nesta hora extrema, 
Por extrema despedida, 
Ouvir-te a voz comovida 
Soluçar um breve Adeus! 

XVIII 
Lerás porém algum dia 
Meus versos d'alma arrancados, 
D'amargo pranto banhados, 
Com sangue escritos; - e então 
Confio que te comovas, 
Que a minha dor te apiade 
Que chores, não de saudade, 
Nem de amor, - de compaixão.




Gonçalves Dias
O poeta Antônio Gonçalves Dias, que se orgulhava de ter no sangue as três raças formadoras do povo brasileiro (branca, indígena e negra), nasceu no Maranhão em 10 de agosto de 1823. Em 1840 foi para Portugal cursar Direito na Faculdade de Coimbra. Ali, entrou em contato com os principais escritores da primeira fase do Romantismo português.

Em 1843, inspirado na saudade da pátria, escreveu "Canção do Exílio". No ano seguinte graduou-se bacharel em Direito. De volta ao Brasil, iniciou uma fase de intensa produção literária. Em 1849, junto com Araújo Porto Alegre e Joaquim Manuel de Macedo, fundou a revista "Guanabara". Com o objetivo de mudar de vida, embarca novamente para a Europa, onde passa uma temporada. Com a saúde abalada, ele resolve, anos mias tarde, voltar ao Brasil. Na viagem, porém, morre no naufrágio do navio Ville de Boulogne, em 1864, próximo ao Maranhão.

Se por um lado deve-se a Gonçalves de Magalhães a introdução do Romantismo no Brasil, por outro, deve-se a Gonçalves Dias a sua consolidação. Isso porque o poeta trabalhou com maestria todas as características iniciais da primeira fase do Romantismo brasileiro. De sua obra, geralmente dividida em lírica, medieval e nacionalista, destacam-se "I-juca Pirama", "Os Tibiramas" e "Canção do Tamoio".


Mais sobre Gonçalves Dias








sexta-feira, 12 de agosto de 2016

Nossa Literatura - LIVRO: A NARRATIVA DA VONTADE DE DEUS: A HISTÓRIA DO BRASIL DE FREI VICENTE DO SALVADOR






“A narrativa da vontade de Deus: a História do Brasil de frei Vicente do Salvador” – este o título de um dos últimos e mais importantes lançamentos editoriais feitos pela Fundação Biblioteca Nacional. De autoria do historiador Luiz Cristiano de Andrade, o livro apresenta uma nova e consistente interpretação da conhecida “História do Brasil” escrita entre 1619 e 1630 pelo franciscano Vicente do Salvador, a primeira a contar uma história sistemática e abrangente do Brasil e também a primeira a receber este nome.


O livro de Luiz Cristiano originou-se da dissertação de Mestrado do autor defendida em 2004, no Instituto de Filosofia e Ciências Sociais da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). O editor, Marcus Venício Ribeiro, conta que tomou conhecimento desse estudo ao escrever recentemente a apresentação de uma nova edição da “História do Brasil” feita pela  Fundação Darcy Ribeiro.

 "Como a Biblioteca Nacional teve um papel crucial na divulgação do manuscrito  de frei Vicente no Brasil, que até o final do século XIX permanecera inédito, não hesitei em entrar em contato com o autor e propor a publicação da dissertação.”

Praticamente desconhecido no país até o final do século XIX, o manuscrito de frei Vicente (na realidade uma cópia feita no século XIX) foi doado por um livreiro à Biblioteca Nacional coincidentemente às vésperas da inauguração da grande Exposição de História do Brasil em dezembro de 1881. Incluído na exposição, tornou-se, nas palavras do então diretor da Biblioteca Nacional, Benjamim Franklin de Ramiz Galvão, uma das “gemas preciosas” apresentadas ao público. A publicação da obra foi feita também pela Biblioteca Nacional, nos Anais da Biblioteca Nacional de 1889, por iniciativa do historiador Capistrano de Abreu. Na época, Capistrano era funcionário da Biblioteca e sua interpretação da obra – ele a viu como a primeira manifestação de um sentimento nativista no Brasil, um “nacionalismo avant la lettre”, segundo Luiz Cristiano – foi reproduzida por outros importantes estudiosos da historiografia brasileira, como Manuel Bomfim, José Honório Rodrigues e Francisco Iglésias.

Para Luiz Cristiano, a “História do Brasil” foi concebida num “regime diverso” do imaginado por Capistrano e seus seguidores. Trata-se, segundo ele, de uma narrativa histórica fundada em princípios retórico-poéticos e teológico-políticos que, muito distante de supostas aspirações nacionalistas, presidiam a escritura dos gêneros históricos no século XVI. Uma visão sacramental e sobrenatural dos acontecimentos históricos subordinada à hermenêutica cristã: o Brasil, de acordo com a vontade de Deus, seria a base para o reerguimento de Portugal, o qual tinha a missão de expandir no mundo a civilização cristã.
HISTÓRIA DO BRASIL - Frei Vicente do Salvador (meu acervo)


A construção da obra busca seus primeiros fundamentos em noções da Antiguidade Clássica correntes ainda no século XVII, como, por exemplo, a crença de que os livros de História são “mestres da vida”, se destinam à difusão dos “bons valores e sentimentos” e ao aconselhamento dos governantes. Não por acaso, o livro tem como fio condutor a cronologia da administração portuguesa na colônia; e celebra, no período da unificação ibérica, os bons serviços prestados a Portugal por D. João III, e pelos governadores, bispos, ouvidores e capitães, clérigos e colonos fundadores, além dos índios que se aliaram aos portugueses. Do outro lado, como obstáculos ao cumprimento da Providência Divina, estavam os hereges franceses e holandeses e os gentios rebeldes, cujo massacre, descrito com indiferença pelo frade, teria as bênçãos de Deus.
Fonte: Biblioteca Nacional 

Sobre frei Vicente do Salvador :
http://brasil-meubrasil-brasileiro.blogspot.com.br/2014/04/nossa-historia-livro-historia-do-brasil.html




Mapa com planta da cidade de Salvador, invadida pelos holandeses em 1624.