O LIVRO

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domingo, 25 de setembro de 2016

Nossa Literatura - TRABALHO E A ORAÇÃO - Rui Barbosa




Ninguém, senhores meus, que empreenda uma jornada extraordinária, primeiro que meta o pé na estrada, se esquecerá de entrar em conta com as suas forças, por saber se o levarão ao cabo. Mas na grande viagem, na viagem de trânsito por este mundo, não há possa ou não possa, não há querer ou não querer. A vida não tem mais que duas portas: uma de entrar, pelo nascimento; outra de sair, pela morte. Ninguém, cabendo-lhe a vez, se poderá furtar à entrada. Ninguém, desde que entrou, em lhe chegando o turno, se conseguirá evadir à saída. E, de um ao outro extremo, vai o caminho, longo ou breve, ninguém o sabe, entre cujos termos fatais se debate o homem, pesaroso de que entrasse, receoso da hora em que saia, cativo de um e outro mistério, que lhe confinam a passagem terrestre.
Não há nada mais trágico do que a fatalidade inexorável deste destino, cuja rapidez ainda lhe agrava a severidade.

Em tão breve trajeto cada um há de acabar a sua tarefa. Com que elementos? Com os que herdou e os que cria. Aqueles são a parte da natureza. Estes, a do trabalho.
A parte da natureza varia ao infinito. Não há, no universo, duas coisas iguais. Muitas se parecem umas às outras. Mas todas entre si diversificam. Os ramos de uma só árvore, as folhas da mesma planta, os traços da polpa de um dedo humano, as gotas do mesmo fluido, os argueiros do mesmo pó, as raias do espectro de um só raio solar ou estelar. Tudo assim, desde os astros no céu até os micróbios no sangue, desde as nebulosas no espaço até aos aljôfares do rocio na relva dos prados.

A regra da igualdade não consiste senão em quinhoar desigualmente os desiguais, na medida em que se desigualam. Nesta desigualdade social, proporcionada à desigualdade natural é que se acha a verdadeira lei da igualdade. O mais são desvairos da inveja, do orgulho ou da loucura. Tratar com desigualdade a iguais, ou a desiguais com igualdade, seria desigualdade flagrante, e não igualdade real. Os apetites humanos conceberam inverter a norma universal da criação, pretendendo, não dar a cada um na razão do que vale, mas atribuir o mesmo a todos, como se todos se equivalessem.
Esta blasfêmia contra a razão e a fé, contra a civilização e a humanidade, é a filosofia da miséria, proclamada em nome dos direitos do trabalho; e, executada, não faria senão inaugurar, em vez da supremacia do trabalho, a organização da miséria.


Mas, se a sociedade não pode igualar os que a natureza criou desiguais, cada um nos limites da sua energia moral, pode reagir sobre as desigualdades nativas pela educação, atividade e perseverança. Tal a missão do trabalho
Os portentos de que esta força é capaz, ninguém os calcula. Suas vitórias na reconstituição da criatura mal dotada só se comparam às da oração.
Oração e trabalho são os recursos mais poderosos na criação moral do homem. A oração é o íntimo sublimar-se da alma pelo contacto com Deus. O trabalho é o inteirar, o desenvolver, o apurar das energias do corpo e do espírito, mediante a ação contínua sobre si mesmos e sobre o mundo onde labutamos.

O indivíduo que trabalha acerca-se continuamente do autor de todas as coisas, tomando na sua obra uma parte de que depende também a dele. O Criador começa e a criatura acaba a criação de si própria.
Quem quer, pois, que trabalhe, está em oração ao Senhor. Oração pelos atos, ela emparelha com a oração pelo culto. Nem pode ser que uma ande verdadeiramente sem a outra. Não é trabalho digno de tal nome o do mau; porque a malícia do trabalhador o contamina. Não é oração aceitável a do ocioso; porque a ociosidade a dessagra. Mas quando o trabalho se junta à oração, e a oração com o trabalho, a segunda criação do homem, a criação do homem pelo homem, semelha, às vezes, em maravilhas, a criação do homem pela divino Criador.

Ninguém desanime, pois, de que o berço lhe não fosse generoso, ninguém se creia malfadado por lhe minguarem, de nascença, haveres e qualidades. Em tudo isso não há surpresas que se não possam esperar da tenacidade e santidade no trabalho.

(Da Oração de Paraninfo, na Fac. de Direito de São Paulo, 1921, em Elõg. Acadêmicos, pp. 358-361)

terça-feira, 13 de setembro de 2016

Nossa Flora - A frutinha esquecida CAMBUCI está de volta




O nome vem do tupi-guarani, do original caá-mbocy, a fruta de duas partes, segundo o dicionário de Silva Bueno. De fato, a fruta redonda, de 6 a 8 centímetros de diâmetro, parece ter uma divisão no meio quando a olhamos de lado. Mais ou menos como um disco voador desenhado por uma criança ou como os potes de cerâmica fabricados por indígenas habitantes da Mata Atlântica do Sudeste brasileiro. Os potes, aliás, têm o nome da fruta – cambuci – e o mesmo se dá com um bairro da cidade de São Paulo, assim chamado em homenagem à espécie, então comum em seus quintais.

De cor verde quando maduro e extremamente azedo e travoso na boca de quem se arrisca a experimentá-lo in natura, o cambuci (Campomanesia phaea) é matéria-prima de altíssima qualidade para geleiasdoces e sucos. Infelizmente foi esquecido pelo progresso e hoje é considerado vulnerável à extinção na Lista Vermelha de Espécies Ameaçadas. Só ocorre naturalmente em poucos remanescentes florestais de São Paulo e do Rio de Janeiro.

O cambuci não apenas brotava na floresta como também no pomar das casas, onde era cultivada para servir de aromatizante na cachaça.
Por se encontrar em sério risco de extinção o cambuci hoje faz parte da Arca do Gosto, lista de alimentos ameaçados criada pela fundação Slow Food.
Agora, dezenas de produtores familiares vêm tirando o cambuci do esquecimento, decididos a explorar o potencial dessa fruta profundamente aromática, doce na fragrância e ácida no paladar. Em todo o cinturão verde de São Paulo, surgiram sucos, sorvetes, geleias, licores e até cosméticos produzidos à base de cambuci - sem falar de receitas excêntricas, como a moqueca e o estrogonofe.

A vitrine disso tudo é a Rota Gastronômica do Cambuci, uma integração de festivais locais que acontece entre março e setembro, cada mês em uma cidade. Em 2013, houve a participação de quase 60 produtores, de sete municípios. A rota foi aumentada este ano. "Já distribuímos mais de 10 mil mudas", conta Gabriel Menezes, diretor da Associação Holística de Participação Comunitária Ecológica (AHPCE), a entidade que organiza o evento.













segunda-feira, 12 de setembro de 2016

Nossa Pátria - Foto rara de Machado de Assis presidindo a ABL é encontrada


Imagem encontrada por pesquisador que diz ter encontrado o único registro de Machado de Assis (em destaque sob a seta) presidindo uma sessão da ABL, em 31 de outubro de 1905 (Foto: Divulgação)

O próprio "descobridor" da foto reconhece que a qualidade "é ingrata". Mas vale pela raridade: trata-se do único registro já encontrado do escritor Machado de Assis presidindo uma sessão da Academia Brasileira de Letras (ABL), entidade fundada por ele. A imagem (veja acima), que mostra uma reunião de 31 de outubro de 1905, vai ser reproduzida na edição de dezembro na "Revista Brasileira", publicação trimestral da ABL.
O pesquisador independente Felipe Rissato, que encontrou a rara fotografia, explica que ela saiu originalmente na revista "Leitura para Todos" em dezembro daquele ano. Mas jamais foi republicada ou mencionada em qualquer arquivo.

"A própria Academia registra como documento iconográfico mais antigo de uma sessão pública a fotografia da sessão realizada em 17 de maio de 1909, já presidida por Rui Barbosa", diz Rissato em entrevista ao G1 por telefone. De acordo com ele, a nova foto de Machado se torna agora "o registro iconográfico mais antigo de uma sessão da ABL".

Na foto, Machado de Assis aparece entre os acadêmicos Alberto de Oliveira e Silva Ramos. Eles o auxiliavam no andamento da sessão que elegeu Mário de Alencar para ocupar a cadeira nº 21 da ABL, vaga pela morte de José do Patrocínio.

Rissato explica como pôde assegurar que é mesmo o autor de "Memórias póstumas de Brás Cubas" e "Dom Casmurro" na imagem:
"A legenda [da revista] auxilia, uma vez que dá a data exata da sessão, sobretudo por ser uma revista contemporânea. Porém, mesmo que muito pouco, é possível divisar a face do bruxo, ensanduichada entre os rostos de Alberto de Oliveira e Silva Ramos".
Ele justifica citando que a a foto é bem semelhante a outra feita em 1904 (veja abaixo).


Imagem de perfil do escritor Machado de Assis em 1904 (Foto: Divulgação)
A imagem de 1905 faz parte de uma pesquisa iconográfica de Machado de Assis feita por Rissato. "O número 89 da 'Revista Brasileira' vai publicar ao todo 38 fotos", descreve o pesquisador. "Dentre elas, apenas uma é inédita, feita em 1880 pelo fotógrafo Isley Pacheco. E será a primeira vez em que o conjunto estará reunido."

Na edição 87 da "Revista Brasileira", Rissato já havia divulgado uma crônica até então desconhecida na qual Machado de Assis lamentava a morte de sua mãe (veja abaixo). Intitulado "Lembranças de minha mãe", o texto foi originalmente publicado em 1860 na revista "Revista Luso-Brasileira" e sem assinatura.
"Não era raro o Machado de Assis escrever coisas anônimas e só depois comprovadas", diz Rissato. "Neste caso, foi porque é um tema tão triste, tão caro a todos nós, a perda da mãe."


Crônica 'Lembranças de minha mãe', publicada anonimamente em 1860 na 'Revista Luso-Brasileira' e republicada em junho de 2016 na 'Revista Brasileira', da ABL; pesquisador atribui autoria a Machado de Assis (Foto: Divulgação)

fonte: g1.globo. Artigo por Cauê Muraro do G1, em São Paulo