O LIVRO

O LIVRO

domingo, 22 de março de 2015

Nossa Literatura - O QUINZE - Raquel de Querioz








O título que referencia a época da grande seca em 1915 foi a obra inaugural da autora, que viveu sua infância em Quixadá-CE, Fortaleza. Região esta, cenário desse romance de ficção, que vivência o drama da seca, e expressa principalmente na preocupação social.
A obra se dá praticamente em duas histórias, entre um capítulo e outro: uma enfocando Chico Bento e sua família, e a outra, falando sobre a relação afetiva de Conceição, culta e professora, com seu primo Vicente, rude proprietário e criador de gado.
É uma história que envolve muitas amarguras. Apenas, a triste realidade da família de Chico Bento, já poderia marcar o romance como trágico. A luta para sobreviver um dia após o outro, sem saber sequer se teriam comida ou bebida amanhã. A infame desgraça da falta de chuva assombrando a todos, trazendo a morte. O desespero de homens e mulheres, vendo seus filhos perderem as forças gradativamente e animais caindo de fraqueza por não terem mais verde para comer.
A paisagem seca, árida, triste e quente e que mata!
Conceição, moça letrada, possuindo tendências socialistas, passava férias na fazenda de sua avó, Mãe Nácia, em Logradouro, perto do Quixadá. Período em que aproveitava para ver sua tia, primas e seu primo Vicente, que além de se tratar de um homem bonito e forte, ela tinha por ele grande afeição.
Vicente trabalhava incessantemente para manter os animais vivo, essa era sua prioridade de vida, e quando podia também ia compartilhar e desfrutar da companhia de Conceição, para cobri-la de galanteios. Havia um sentimento recíproco, mas que nunca se concretizava.
Tempos passados, continua as idas e vindas de Conceição para a cidade natal.
Moça de bom coração, trabalhava no campo de concentração onde ficavam alojados os retirantes. Certo dia chega aos ouvidos dela um boato, que Vicente estaria “de namoro” com uma caboclinha. Ela se revolta, não podia entender porque alguém por quem ela tinha tanta admiração, a teria traído. Mas não diz nada para Vicente e começa a tratá-lo de modo indiferente. Vicente se ressente disso e não consegue entender a razão, que fica sem poder se defender. Conceição fez disto uma barreira intransponível para realização do seu amor. Ela admitia que tinha vocação para solteirona.
Em Quixadá, Chico Bento que trabalhava em uma fazenda, teve que ganhar o mundo, fugirdaquela seca, era a última esperança para poder sobreviver, com sua a família. Juntou o dinheiro que ele pode, vendendo algum boi para Vicente, comprou mantimentos, e um burro para atravessar o sertão,  ele, Cordulina, e os cinco filhos. Seu intuito era trabalhar no Norte, extraindo borracha.
No percurso, em momento de grande fome, acaba a comida, e começa a tragédia, Josias, longe dos olhos dos pais, come mandioca crua, envenenando-se.  Agonizou até a morte.
Mais a frente, em uma cena que marcaria ainda mais de tristeza a vida deste vaqueiro, foi quando em desespero, vendo uma cabra em um terreno, ele a captura e a mata para matar a fome dos seus.
Mas, aparece o dono, que não teve pena da situação que encontrava os pobres moribundos, que o humilha, chama-o de ladrão e leva a cabra morta para casa, jogando-lhes apenas as tripas.

 
Depois desse ocorrido, o filho mais velho, Pedro, se decide sem comunicar aos pais, seguir caminho  sem eles, talvez tivesse seguido alguém. E léguas após, Chico Bento chegando ao Aracape, lugar onde supunha que ele pudesse ser encontrado, vai pedir ajuda ao delegado, que era por acaso um compadre seu. Manda saírem em busca do rapaz, mas não o encontram, um volta com a notícia de que ele provavelmente teria partido com um grupo de comboieiros de cachaça. Cordulina já nem chora mais, e pensa que talvez fosse para a felicidade do menino.
Seguem em frente, e chegam ao campo de concentração, onde são reconhecidos por Conceição, sua comadre. Ela, os ajuda com alimentos e arruma um emprego para Chico Bento e pedi para que eles deixem o seu afilhado Duquinha com ela, em adoção e eles concordam pois seria menos um a sofrer. Mesmo com emprego, tudo estava difícil, e Chico resolve ir para São Paulo, também desistindo de ir para Fortaleza trabalhar com a borracha. Conceição arranja passagens de trem e eles mudam sua sorte seguindo para outra cidade com muita esperança de ter um amanhã melhor.
Com a adoção de Duquinha, Conceição sente-se intimamente realizada, preenchendo o vazio da decepção amorosa.
Chegou Dezembro e a tão desejada chuva caiu. A vida retorna com mais brilho de esperança e verde.
Dona Inácia volta para sua cidade.
Passaram-se mais um, dois, três anos. Todas as pessoas nas ruas, barraquinhas... Há tempos que não viam quermesse de Natal tão animada.
Conceição e Vicente continuavam com ressentimentos ocultos, se olhavam, se falavam, mas com magoa e indiferença da parte dela e consequentemente, Vicente só poderia responder da mesma forma.


Raquel de Queiroz


Comentários:

Usando uma linguagem simples, coloquial e regionalista, este dramático, mas encantador romance, a autora esplendidamente escreve com seus, quase 20 anos.
Hoje, passados 79 anos, a história nos revela um quadro amargo na região do nordeste, onde não tiveram progresso e onde a seca continua castigando.
Com o propício tema da seca daquela região, que mostra sua realidade, sem dúvida a parte mais importante do livro foi a trágica e penosa marcha do vaqueiro Chico Bento com sua mulher e seus filhos.
Com o desespero da seca, o vaqueiro perde as esperanças de viver em sua cidade – Aroeiras - e com a família migra pelas terras do sertão, rumo a um outro lugar melhor, em busca de uma solução para suas vidas.
Mas neste trajeto, enfrentam uma grande crise, ficando expostos a fome, sede, doenças e morte. Enfrentam ainda um terrível conflito interno com seus sentimentos, dúvidas, culpas, melancolia e, fugindo do presente, temem o futuro. E arriscaram!
Não poderiam ficar na inércia, deixando o silencio queimar cada segundo de suas vidas. Misturando a fumaça da negligencia com o suor de sua pele.
Sim, era preciso, lutar! Lutar por dias melhores, por melhores oportunidades, mesmo que estas sejam a duras penas, mas sempre ao encontro da “Luz”!
Um enredo que possui nítida a mistura entre realidade e ficção e com todas as características  
de um gênero tipicamente dramático e triste, porém com uma enorme demonstração de força e vontade de viver.
Ao meu entender, a parte da história que poderia ter sido a mais bonita e agradável - que seria a concretização do amor entre Vicente e Conceição e que não ocorreu – talvez assim tenha sido escrita de modo proposital, para chamar a atenção das moças e despertá-las para as consequências de seus ciúmes e de sua imaturidade; por não procurar a verdade dos fatos, escondendo-se em sua magoa e dor e dando um destino descabível para seus sentimentos.
E também, não deixando de lado a figura masculina, que geralmente aparece como “muralhas de orgulhos” - principalmente na rudez do sertão - o personagem Vicente, por estar diante de uma mulher fria que o esnobava,  não insistia, como deveria, em ter uma conversa aberta com ela para possíveis esclarecimentos.
Fazendo com que essa falta de comunicação entre os dois, nos privassem de um desfecho feliz.

por Tânia Berti 

sábado, 21 de março de 2015

Nossa Literatura - VALENTIM MAGALHÃES (1859-1903)






Antônio Valentim da Costa Magalhães nasceu no Rio de Janeiro, a 16 de janeiro de 1859. Filho homônimo de Antônio Valentim da Costa Magalhães e de D. Maria Custódia Alves Meira. Formou-se em Direito pela Faculdade do Largo de São Francisco, em São Paulo, onde ingressara em 1877. Ali colabora para os periódicos acadêmicos "Revista de Direito e Letras", "Labarum" e "República", este último de Lúcio de Mendonça. Ainda nesta cidade publicou três obras: "Idéias de Moço", "Grito na Terra" e "General Osório", este último em parceria com Silva Jardim, além de seu primeiro livro, intitulado "Cantos e Lutas". Ali também casou-se, em 1880.
 Voltando para o Rio, dedica-se ao jornalismo, dirigindo o periódico "A Semana" (fundado em 1885), que torna-se o veículo dos jovens escritores da época, além da propaganda abolicionista e republicana, sendo um período de marcadas agitações culturais e políticas, estando Valentim Magalhães no proscênio dessas lutas todas. Sobre sua participação, registrou Euclides da Cunha, que o sucedeu na Academia: "A geração de que ele foi a figura mais representativa, devia ser o que foi: fecunda, inquieta, brilhantemente anárquica, tonteando no desequilíbrio de um progresso mental precipitado a destoar de um estado emocional que não poderia mudar com a mesma rapidez".
 Seu grande envolvimento com as causas que defendia não lhe permitiram uma maior produção literária, sendo comum entre os críticos que seu papel foi o de divulgar os demais escritores nacionais.
 Ficou célebre pelas inúmeras polêmicas criadas, que redundaram em ataques e desafetos, bem como pelas defesas que dele faziam os amigos.
 Durante o Encilhamento, falsa prosperidade econômica que se seguiu à Proclamação da República por obra do seu confrade Rui Barbosa, então feito Ministro das Finanças, Valentim dedicou-se ao lucro rápido, fundando uma companhia e, logo mais, como todos, vindo à falência.
Sobre seu papel na memória futura, então ainda presenciando os reveses, declarou:
 "A princípio fui gênio; mais tarde cousa nenhuma. Hoje César, amanhã João Fernandes…"
 Registra Manuel Bandeira que o autor participara, ao lado de Teófilo Dias, Artur Azevedo, Fontoura Xavier e outros, da chamada "Batalha do Parnaso", uma reação ao romantismo, iniciada ainda na década de 1860, e que ganhou força com a agitação promovida por Artur de  Oliveira. Este misto de boêmio e intelectual conhecera em Paris os intelectuais parnasianos, e influenciara os autores brasileiros.
Faleceu em 17 de maio de 1903. Deixou: Cantos e Lutas e Rimário.







ÍNTIMO

Esta alegria loura, corajosa,
Que é como um grande escudo, de ouro feito,
E faz que à Vida a escada pedregosa
Eu suba sem pavor, calmo e direito,

Me vem da tua boca perfumosa,
Arqueada, como um céu, sobre o meu peito:
Constelando-o de beijos côr de rosa,
Ungindo-o de um sorriso satisfeito…

A imaculada pomba da Ventura
Espreita-nos, o verde olhar abrindo,
Aninhada em teu cêsto de costura;

Trina um canário na gaiola, inquieto;
A cambraia sutil feres, sorrindo,
E eu, sorrindo, desenho êste sonêto.

TORTURA

Ante a mesquita d´áureos minaretes
açoitam dois telingas a traidora:
as vergastas, sutis como floretes,
sibilam sobre a carne tentadora.

À vibração das varas, estremecem
seus níveos membros firmes, delicados,
e, nos espasmos do sofrer, parecem
das contorções do gozo eletrizados.

Geme aos golpes, que as carnes lhe retalham,
e aberta a rósea boca, os olhos belos
pérolas vertem, que seu peito orvalham;

dobram-se as curvas, soltam-se os cabelos,
e do alvo colo, amargurado e exangue,
— como esparsos rubis — goteja o sangue

 Rimario
1878-1899 
Paris: Ailhaud & Cia, 1900.  248 p

     (foi mantido a ortografia original dos poemas)

domingo, 15 de março de 2015

Nossa Literatura - MEDEIROS E ALBUQUERQUE


Medeiros e Albuquerque

José Joaquim de Campos da Costa de Medeiros e Albuquerque (Recife, 4 de setembro de 1867 — Rio de Janeiro, 9 de junho de 1934) foi um funcionário público, jornalista, professor, político, contista, poeta, orador, romancista, teatrólogo, ensaísta e memorialista brasileiro. Filho de José Joaquim de Campos de Medeiros e Albuquerque.

É o autor da letra do Hino da República. Na imprensa, escreveu também sob os pseudônimos Armando Quevedo, Atásius Noll, J. dos Santos, Max, Rifiúfio Singapura. Membro da Academia das Ciências de Lisboa.

Em 1896 e 1897, compareceu às sessões preliminares de instalação da Academia Brasileira de Letras. É o fundador da Cadeira número 22, que tem como patrono José Bonifácio, o Moço.





HINO À PROCLAMAÇÃO DA REPÚBLICA

Letra de: Medeiros e Albuquerque
Música de: Leopoldo Augusto Miguez

(Publicado no Diário Oficial de 21/01/1890)

Seja um pálio de luz desdobrado,
Sob a larga amplidão destes céus.
Este canto rebel, que o passado
Vem remir dos mais torpes labéus!

Seja um hino de glória que fale
De esperanças de um novo porvir!
Com visões de triunfos embale
Quem por ele lutando surgir!

Liberdade! Liberdade!
Abre as asas sobre nós,
Das lutas na tempestade
Dá que ouçamos tua voz

Nós nem cremos que escravos outrora
Tenha havido em tão nobre País...
Hoje o rubro lampejo da aurora
Acha irmãos, não tiranos hostis.

Somos todos iguais! Ao futuro
Saberemos, unidos, levar
Nosso augusto estandarte que, puro,
Brilha, ovante, da Pátria no altar !

Liberdade! Liberdade!
Abre as asas sobre nós,
Das lutas na tempestade
Dá que ouçamos tua voz

Se é mister que de peitos valentes
Haja sangue em nosso pendão,
Sangue vivo do herói Tiradentes
Batizou neste audaz pavilhão!

Mensageiro de paz, paz queremos,
É de amor nossa força e poder,
Mas da guerra, nos transes supremos
Heis de ver-nos lutar e vencer!

Liberdade! Liberdade!
Abre as asas sobre nós,
Das lutas na tempestade
Dá que ouçamos tua voz

Do Ipiranga é preciso que o brado
Seja um grito soberbo de fé!
O Brasil já surgiu libertado,
Sobre as púrpuras régias de pé.

Eia, pois, brasileiros avante!
Verdes louros colhamos louçãos!
Seja o nosso País triunfante,
Livre terra de livres irmãos!

Liberdade! Liberdade!
Abre as asas sobre nós!
Das lutas na tempestade
Dá que ouçamos tua voz!



Nossa História - RUI BARBOSA






Ruy Barbosa de Oliveira (Salvador, 5 de novembro de 1849 — Petrópolis, 1 de março de 1923). Rui Barbosa de Oliveira bacharelou-se pela Faculdade de Direito de São Paulo em 1870. No início da carreira, na Bahia, engajou-se numa campanha em defesa das eleições diretas e da abolição da escravatura. Depois, seria político relevante na República Velha, ganhando projeção internacional durante a Conferência de Paz de Haia (1907), em que defendeu a teoria brasileira de igualdade entre as nações.

Eleito deputado na Assembléia Provincial da Bahia em 1878, passou no ano seguinte a deputado geral (ou seja, representante da província no Legislativo nacional, no Rio de Janeiro). Atuou na elaboração da reforma eleitoral, na reforma do ensino e na emancipação dos escravos.

Com a República, tornou-se vice-chefe do governo provisório e assumiu a pasta das Finanças. Também escreveu o projeto da Carta Constitucional da República. Sendo dissolvido o Congresso por Deodoro da Fonseca, Rui abandonou o cargo que ocupava e passou à oposição.

Em 1893, envolveu-se na Revolução da Armada e acabou exilado. Após ter passado pela Argentina, Lisboa, Paris e Londres, voltou para o Brasil e foi eleito senador pela Bahia em 1895.

Rodrigues Alves, presidente da república, designou-o representante do Brasil na 2ª Conferência de Paz de Haia. No Brasil, dada sua brilhante inteligência e eloqüência, ganhou por isso o título "Águia de Haia".

A verdade, porém, é que a impressão causada por lá não foi tão positiva assim (o representante alemão, por exemplo, não foi o único a considerar Rui "o mais aborrecido dos participantes"). No final da vida, ainda seria eleito juiz do Tribunal Internacional de Haia.

Em 1916, indicado pelo então presidente Venceslau Brás, representou o Brasil no centenário da independência argentina, discursando na Faculdade de Direito de Buenos Aires sobre o conceito jurídico de neutralidade. Em plena Primeira Guerra Mundial, o discurso causaria a ruptura das relações do Brasil com a Alemanha.


Três anos depois, Rui recusaria o convite para chefiar a delegação brasileira na Conferência de Versalhes (1919), que estipulou os termos da paz entre vitoriosos e derrotados na Primeira Guerra.

Com seu enorme prestígio, Rui Barbosa candidatou-se duas vezes à Presidência da República (nas eleições de 1910, contra Hermes da Fonseca, e nas de 1919, contra Epitácio Pessoa em 1919), mas foi derrotado em ambas.

Como jornalista, escreveu para diversos órgãos, em especial "A Imprensa", o "Jornal do Brasil" e o "Diário de Notícias", tendo presidido esse último. Sócio-fundador da Academia Brasileira de Letras, sucedeu a Machado de Assis na presidência da casa.

Rui Barbosa morreu aos 73 anos. Sua extensa bibliografia, em mais de cem volumes, reúne artigos, discursos, conferências e anotações políticas escritas durante toda uma vida. Sua vasta biblioteca, com mais de 50 mil títulos, pertence à Fundação Casa de Rui Barbosa, em sua antiga residência no Rio.

quarta-feira, 11 de março de 2015

Nossa Música - Bossa Nova - ÁGUAS DE MARÇO - Tom Jobim



ÁGUAS DE MARÇO - TOM JOBIM
Em maio de 1972, o jornal "O Pasquim" chegava às bancas com um encarte especial, que trazia um compacto com duas canções. Mais do que agradar aos leitores, o disquinho marcaria para sempre a música brasileira. Era no lado A que estava “Águas de Março”, pela primeira vez apresentada ao público.
Mas foi dois meses antes desse discreto lançamento, há exatos 40 anos, que começou a história da composição de Tom Jobim (1927-1994). Uma música que se tornaria clássico tardio da Bossa Nova e até hoje famosa mundialmente.
Por recomendação médica, em março de 1972 Jobim passava o fim do verão buscando o ar puro do campo, no sítio da família em São José do Vale do Rio Preto, região serrana do Rio. O cenário bucólico inspirou os esboços de “Matita Perê” – álbum lançado um ano depois, com “Águas de Março” encabeçando a lista de oito músicas.
“Naquele tempo meu pai tinha decidido parar de beber e fumar, depois de levar uma dura do médico”, recorda o músico Paulo Jobim, filho de Tom. “Acho que até na letra da música ele revelou um pouco da angústia e do medo da morte”.
Paulo cita como exemplo desta “crise existencial” os versos “é um resto de toco/é um pouco sozinho”, “é a noite/é a morte” e “é promessa de vida no teu coração”.
Na época com 22 anos, o filho mais velho do compositor ainda recorda a primeira vez que viu o pai tocar a canção.
“Estávamos na casa do Zanine [o arquiteto baiano José Zanine Caldas (1919-2001)], quando ele começou a tirar as notas do violão. A música era grandiosa, me impressionou muito”, recorda. “E a minha tia [Helena Jobim] foi uma das primeiras a ver a letra, rascunhada em um saco de pão”.
Sucesso dois anos depois
“Águas de Março” não teve reconhecimento imediato, como conta o crítico musical Nelson Motta. “Nessa época Tom Jobim não andava muito popular, trabalhava mais nos Estados Unidos, e a Bossa Nova era um passado remoto diante da MPB de oposição”, explica.
O relançamento da música no disco “Matita Perê”, um ano depois da estreia no encarte de "O Pasquim", também não contribuiu para que a música caísse no gosto do público com força total.
“O álbum é extraordinário, mas foi considerado difícil. As letras eram complexas, incluindo a de ‘Matita Perê’, que foi ponto de partida para ‘Águas de Março’ e é quase um Guimarães Rosa musical”, compara Motta, citando a faixa-título, parceria de Tom e Paulo César Pinheiro. “E o Tom ainda sofria muitas restrições como cantor. Era considerado um compositor que cantava - e, para muitos críticos, muito mal”, completa.
Segundo Motta, o sucesso avassalador de “Águas de Março” viria apenas dois anos depois da estreia, na parceria do compositor com Elis Regina. “Com a qualidade musical da Elis, a música  "teve uma interpretação perfeita, com um arranjo definitivo e finalmente decolou para a popularidade.”
A versão de 1974, produzida por César Camargo Mariano, foi gravada no estúdio MGM, em Los Angeles, para “Elis e Tom” – álbum que comemorava os dez anos da cantora na gravadora Polygram.
“Ganhei de presente um encontro com Tom. Foram momentos vividos por duas pessoas muito tensas, que só conseguem descontrair através da música”, escreveu Elis no encarte do álbum à época.
Segundo a escritora Regina Echeverria, autora da biografia “Furacão Elis”, com a gravação, a “pimentinha” se redimia com a turma de Tom, João Gilberto e companhia.
“De uma certa maneira, a Elis havia enterrado a Bossa Nova quando surgiu cantando ‘Arrastão’ a plenos pulmões, totalmente diferente daquele estilo baixinho e contido que vigorava até então”, diz a autora citando a canção que saiu vitoriosa no I Festival Nacional da Musica Popular Brasileira, de 1965, na interpretação da cantora.
Nelson Motta destaca outras interpretações marcantes de “Águas de Março”. “A de Sérgio Mendes é muito boa e a da Ella Fitzgerald é linda. A letra que o Tom fez em inglês é perfeita”.

fonte: musica.uol.com.br

TOM JOBIM E ELIS REGINA CANTA 'ÁGUAS DE MARÇO'

terça-feira, 3 de março de 2015

Nossa Literatura - MANOEL DE BARROS



Manoel de Barros

Manoel Wenceslau Leite de Barros nasceu em Cuiabá (MT), em 1916. Ainda novo, foi morar em Corumbá (MS) e mais tarde iria para o Rio de Janeiro, para fazer a faculdade de Direito. Viajou pela Bolívia e Peru, morou em Nova York, captou em cada um dos lugares por onde passava um pouco da essência da liberdade, que aplicaria em suas poesias.
Apesar de ter publicado o primeiro livro em 1937, o “Poemas Concebidos Sem Pecado”, o primeiro livro que escreveu acabou nas mãos de um policial. O jovem Manoel fez a pichação “Viva o comunismo”, em um monumento, e a polícia foi em busca do autor da ousadia. Para defendê-lo, a dona da pensão em que vivia disse ao policial que o “criminoso” em questão era autor de um livro. O policial pediu para ver e levou o livro. Chamava-se “Nossa Senhora de Minha Escuridão" e Manoel nunca o teve de volta.
Formou-se em Direito, em 1941, na cidade do Rio de Janeiro. E já no ano seguinte publicou “Face Imóvel” e em 1946, “Poesias”.
Na década de 1960 foi para Campo Grande (MS) e lá passou a viver como fazendeiro. Manoel consagrou-se como poeta nas décadas de 1980 e 1990, quando Millôr Fernandes publicava suas poesias nos maiores jornais do país.
Manoel é normalmente classificado na Geração de 45 da literatura. Trabalha bastante com a temática da natureza, mais especificamente, o Pantanal. Mistura estilos e aborda o tema regional com originalidade.
Outros livros do autor são: ”Compêndio para Uso dos Pássaros”, de 1961, “Gramática Expositiva do Chão”, de 1969, “Matéria de Poesia”, de 1974, “O Guardador de Águas”, de 1989, “Retrato do Artista Quando Coisa”, de 1998, “O Fazedor de Amanhecer”, de 2001, entre outros.
Alguns dos prêmios que o autor recebeu: “Prêmio Orlando Dantas”, em 1960, ”Prêmio da Fundação Cultural do Distrito Federal”, em 1969. “Prêmio Nestlé”, em 1997 e o “Prêmio Cecília Meireles” (literatura/poesia), em 1998.
Manoel de Barros morreu no dia 13 de novembro de 2014.


Eu tenho um ermo enorme dentro do olho. Por motivo do ermo não fui um menino peralta. Agora tenho saudade do que não fui. Acho que o que faço agora é o que não pude fazer na infância. Faço outro tipo de peraltagem. Quando eu era criança eu deveria pular muro do vizinho para catar goiaba. Mas não havia vizinho. Em vez de peraltagem eu fazia solidão. Brincava de fingir que pedra era lagarto. Que lata era navio. Que sabugo era um serzinho mal resolvido e igual a um filhote de gafanhoto.
Cresci brincando no chão, entre formigas. De uma infância livre e sem comparamentos. Eu tinha mais comunhão com as coisas do que comparação.
Porque se a gente fala a partir de ser criança, a gente faz comunhão: de um orvalho e sua aranha, de uma tarde e suas 
garças, de um pássaro e sua árvore. Então eu trago das minhas raízes crianceiras a visão comungante e oblíqua das coisas. Eu sei dizer sem pudor que o escuro me ilumina. É um paradoxo que ajuda a poesia e que eu falo sem pudor. Eu tenho que essa visão oblíqua vem de eu ter sido criança em algum lugar perdido onde havia transfusão da natureza e comunhão com ela. Era o menino e os bichinhos. Era o menino e o sol. O menino e o rio. Era o menino e as árvores.
   -livro Memórias inventadas – As Infâncias de Manoel de Barros, São Paulo: Planeta do Brasil, 2010. p. 187