O Cariri mantém uma das mais ricas tradições da cultura
popular. É a literatura de cordel que atravessa os séculos sem ser destruída
pela avalanche de modernidade que invade o sertão lírico e telúrico. Na
contramão do progresso, que informatizou a indústria gráfica, a Lira
Nordestina, de Juazeiro do Norte, e a Academia dos Cordelistas do Crato conservam
em suas oficinas velhas máquinas para impressão dos seus cordéis.
Em um rompimento com o tradicional, foi criada, em Juazeiro,
a Sociedade dos Cordelistas Malditos, uma versão caririense do movimento
literário que surgiu na França, no século 18, liderado pelo poeta Paul Verlaine
que tinha como objetivo transgredir a poesia convencional.
Os “malditos” de Juazeiro surgiram da necessidade de se
contrapor ao sistema tradicional de fazer cordel que, segundo a idealizadora do
Projeto Sesc-Cordel, Novos Talentos, Francisca Pereira dos Santos, conhecida
por “Fanca”, defende uma temática conservadora, machista e racista. Os
cordelistas malditos são mais livres, prosaicos, falam sobre sexualidade e
política, mas adotam o sistema antigo de fazer cordel, com sextilhas, papel
jornal e xilogravura. O projeto Sesc-Cordel firmou convênio com a gráfica Lira
Nordestina, mantida pela Universidade Regional do Cariri (Urca), para a
publicação de dois cordéis por mês.
A oficina da Lira Nordestina é um verdadeiro museu da arte
gráfica. Máquinas importadas, como guilhotinas, linotipo, rotoplanas e
impressoras manuais — “dinossauros” da indústria gráfica que já foram vedetes
dos mais modernos jornais do início do século passado — estão em pleno
funcionamento na Lira Nordestina, em Juazeiro. O grande problema é a escassez
de tipos (letras), para confecção das chapas.
A chapa para impressão do cordel é feita à mão, letra por
letra, um trabalho artesanal que dura cerca de uma hora para confecção de uma
página. Em seguida, a chapa é levada para a impressora, também manual, para
imprimir. A manutenção desse sistema antigo de impressão faz parte da filosofia
do trabalho. A outra etapa é a confecção da xilogravura para a capa do cordel.
As xilogravuras são ilustrações populares obtidas por
gravuras talhadas em madeira. Anteriormente, a xilogravura tinha uso
considerado “menos nobre”, como a confecção de rótulos de garrafas de cachaça e
outros produtos. Sua grande popularidade veio com o cordel. As matrizes para a
impressão das ilustrações são talhadas em madeira mole (o cajá, por exemplo),
geralmente pelos próprios autores das histórias de cordel que utilizam apenas
um canivete ou faca doméstica, bem amolados. No Cariri, o trabalho é feito em
umburana.
Um dos mais conhecidos xilógrafos do Cariri é José Lourenço
da Silva que já participou de exposições no Sul do País e no exterior. Ele
possui álbuns de xilogravuras, contando a vida de Padre Cícero, Lampião e
Patativa do Assaré. Agora, ele está lançando cartões-postais com xilogravuras.
Recentemente, reproduziu a capa do cordel “Pavão Misterioso” para uma exposição
em São Paulo, comemorativa aos 100 anos do antológico cordel.
A origem da xilogravura nordestina até hoje é ignorada.
Acredita-se que os missionários portugueses tenham ensinado sua técnica aos
índios, como uma atividade extra-catequese, partindo do princípio religioso que
defende a necessidade de ocupar as mãos para que a mente não fique livre,
sujeita aos maus pensamentos, ao pecado. A xilogravura antecedeu ao clichê,
placa fotomecanicamente gravada em relevo sobre metal, usualmente zinco, que era
utilizada nos jornais impressos em rotoplanas.
Antônio Vicelmo-onordeste.com (Rádio Educadora Crato-CE)
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