Um lugar chamado Sertão. Que lugar tão belo, místico e
violento é esse? Palco de belezas naturais e manchado de sangue. Um lugar que
se encontra "Nar Brenha" do Nordeste Brasileiro, citado por diversos
escritores da língua portuguesa, entre eles Euclides da Cunha no seu livro Os
Sertões. Ser-tão assim Sertão.
mapa do nordeste brasileiro |
Um lugar permeado pelos contrastes, território quase mítico
da sociedade brasileira, sendo caracterizado como um semi-deserto com condições
bioclimáticas adversas e que mesmo assim abriga centenas de comunidades, este é
o Sertão. O Sertão brasileiro é umas das quatro sub-regiões do Nordeste do
Brasil, nascido pelo processo de interiorização dos colonizadores portugueses
entre os séculos XVI e XVII, através do desenvolvimento da pecuária e do
comércio nesta região. O nome “Sertão” tem origem no apelido que os
desbravadores colocavam – “Desertão”- e que terminou reduzindo-se a sua
designação atual.
Sertão da Paraíba por Ricardo Funari |
O Sertão também tem servido ao longo dos anos como temática
recorrente aos escritores da literatura brasileira, fundando uma literatura
denominada sertaneja ou sertanista que se encaixa na chamada literatura
regionalista, que é caracterizada pela referência a certo espaço geográfico e
estereotipia do mesmo. A figura do nordestino sertanejo, as condições áridas do
seu espaço e da sua vida, as dificuldades em relação à estiagem, o jogo de
poderes políticos em meio a ações ‘’coronelistas’’, a violência e a beleza que
envolve as relações afetivas, tudo isto faz parte do imaginário que a maioria
das pessoas tem do Sertão, e que não deixa de ser verdade.
Atualmente a realidade sertaneja tem sido aos poucos
modificada pelas ações de políticas públicas, embora ainda a desigualdade
social e as “secas” nunca deixaram de existir. Muito maiores que os problemas
climáticos são as questões que envolvem o poder político nesta região, o que
levou ao geólogo Aldo da Cunha Rebouças (1962) dizer: “Constatei que o problema
do Nordeste não é de seca, mas de cerca". Dentre uma das grandes obras que
retrataram este cenário, expondo a indignação e a luta do povo sertanejo é o
livro Os Sertões de Euclides da Cunha, publicado em 1902 após cinco anos do
episódio acontecido na localidade de Canudos, cujo desfecho o escritor
testemunhou como repórter informativo do jornal O Estado de São Paulo.
Arraial de Canudos foi palco de um momento sangrento da
história brasileira, marcado pela opressão de uma classe mais baixa pelo
poderio do exército brasileiro a mando de ricos latifundiários e dos
governantes da República recentemente proclamada. Sob a organização da figura
do religioso/ líder espiritual Antônio Conselheiro, um conjunto de ex escravos,
homens e mulheres sertanejos e cangaceiros reuniram-se em uma comunidade
construída sob bases sustentadas pelas mazelas sociais e uma crença religiosa
em comum. Antônio Conselheiro foi retratado como um misto de ‘’louco e santo’’,
despertando receio da imprensa, do clero e dos latifundiários pelas ideias
revolucionárias e monarquistas.
Arraial de Canudos |
Os Sertões expõe antes de tudo, o incômodo gerado pelo
ambiente no escritor, onde seu olhar se encontrava dividido entre servir como
jornalista informativo ou dar vazão a seus conceitos e princípios humanitários
frente ao problema social visivelmente exposto, descrevendo a terra, o homem e
a luta do grupo de resistência contra o exército. Os sertanejos resistiram
bravamente a três expedições lideradas por diferentes comandantes do exército e
da polícia local, mas na quarta expedição que se iniciou em abril de 1897 até
outubro do mesmo ano, os sertanejos não mais conseguiram sair vitoriosos frente
a inúmeras tropas fortemente armadas.
Prisioneiros da Guerra de Canudos - Flávio de Barros, 1897 |
O líder político e espiritual, Antônio Conselheiro, foi
morto e teve sua cabeça decepada. Os militantes que não foram mortos em
confronto foram mortos por degolamento, e o Arraial de Canudos foi inteiramente
queimado pelas tropas. Aproximadamente foram 25 mil moradores de Canudos que
foram dizimados, manchando de sangue novamente o chão do nordeste brasileiro. A
brutalidade presente na leitura deste momento histórico é tão marcante para
ilustrar a criação da fantasia que permeia o espaço nordestino, quanto à frase
dita pelo personagem Riobaldo no livro Grande Sertão: Veredas (1956) de
Guimarães Rosa, que é: “Sertão é isto: o senhor empurra para trás, mas de
repente ele volta a rodear o senhor dos lados. Sertão é quando menos se
espera”.
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