Para garantir o lucro da operação, traficantes de escravos contabilizavam custos e tentavam diminuir perdas, principalmente mortes |
Fonte: Arquivo Histórico Ultramarino, Angola, caixa 178, documento 21 |
O
tráfico de escravos não era a atividade mais lucrativa do mundo.
Esse comércio demandava altos investimentos e envolvia riscos
consideráveis. Nem todos o viam como uma atividade moralmente
aceitável e havia outras áreas que podiam gerar lucros maiores,
como o comércio de especiarias, tecidos, metais e pedras preciosas.
Ainda assim, valia a pena: durante mais de três séculos o tráfico
manteve-se como um negócio atraente e viável.
Desde
meados do século XV, alguns africanos escravizados já vinham sendo
transportados para a Europa. Mas o tráfico se transformou em negócio
lucrativo somente quando os europeus espalharam a cana-de-açúcar
nas Américas e nas ilhas do Atlântico – como Madeira e São Tomé
e Príncipe – no final daquele século e no início do seguinte. O
açúcar era considerado uma mercadoria de luxo, e o alto preço pelo
qual era vendido cobria os custos da sua produção.
A
produção do açúcar facilitava também a colonização de
territórios onde os europeus demoraram a encontrar metais ou pedras
preciosas. Oriunda das regiões tropicais do sudeste asiático, a
cana-de-açúcar adaptou-se bem ao clima das ilhas atlânticas e das
Américas, e serviu como principal artigo de exploração econômica
em várias colônias, inclusive no Brasil.
Inicialmente,
os europeus utilizaram mão de obra indígena para produzir açúcar,
mas esbarraram na alta taxa de mortalidade entre os nativos,
decorrente de doenças trazidas pelos próprios europeus. A solução
foi recorrer ao trabalho escravo africano. A sociedade colonial
passou a ver aquela mão de obra como superior à indígena, pois os
africanos vinham de sociedades agricultoras, já estavam
familiarizados com um modo de vida sedentário e tinham conhecimentos
técnicos facilmente adaptáveis à produção de açúcar. O tráfico
de escravos africanos também beneficiava os governos europeus pela
renda que gerava com os impostos alfandegários.
Registros
do Engenho Sergipe, na Bahia, demonstram que a transição da mão de
obra indígena para a africana correu de modo relativamente rápido.
Em 1572, cerca de 7% da população escrava daquele engenho era
africana; em 1591, a proporção aumentou para 37% e em 1638 toda a
população escrava do engenho provinha da África.
A
utilização de escravizados africanos não ficou restrita à
produção de açúcar. Das colônias inglesas na América do Norte
às colônias espanholas no Rio da Prata, eles foram empregados em
uma série de atividades, como o cultivo de algodão, arroz, café,
índigo, tabaco, a extração de diamantes, ouro, prata, a indústria
metalúrgica e a do óleo de baleia, além de comércio, pecuária e
do setor de serviços em geral.
A
extensa presença de escravos de origem africana nas sociedades do
Novo Mundo chamava a atenção dos viajantes estrangeiros. John
Luccock, um comerciante inglês que residiu no Brasil entre 1808 e
1818, notou que “parte tão considerável da população das
colônias sul-americanas consiste de escravos, que cada novo distrito
parece exigir alguma observação sobre o seu número, ocupação e
tratamento”.
Para
suprir as colônias com tantos escravos, e obter o máximo de lucro
possível, os traficantes tinham que organizar as suas operações
meticulosamente. O cálculo do valor final da venda de um escravo
adulto, por exemplo, precisava levar em conta um detalhado orçamento
dos custos da viagem negreira. Um desses documentos, produzido por
volta de 1790, revela os cálculos de negociantes portugueses que
pretendiam suprir a região Norte do Brasil com mão de obra escrava
angolana, após a extinção do monopólio negreiro da Companhia
Geral do Grão Pará e Maranhão (1778).
O
preço dos escravos na África era a maior despesa da operação.
Gastos com comissões, fretes e impostos representavam quase um terço
do valor final de um escravo. Perdas com mortes, inclusive na marcha
entre o interior e a costa africana, fugas e doenças aumentavam o
valor final de um escravo em pouco mais de 20%. Custos com o sustento
e outras despesas refletiam apenas em cerca de 10% da transação.
Não
entram nesse cálculo os custos com o seguro que muitos traficantes,
especialmente britânicos e franceses, contratavam para protegerem as
suas “mercadorias”. Muito menos a perda das famílias africanas
cujos membros foram subtraídos de seu seio irreparavelmente. Ainda
assim, os autores do orçamento julgavam que o que “arrasta [os
comerciantes]
a semelhante negócio, é só a lisonjeira expectativa de obter no
transporte dos escravos a fortuna rara de ter menos mortandades,
tanto em terra como no mar”.
A
lucratividade do tráfico residia na quantidade de escravos
transportados em relação ao diferencial do seu preço nos momentos
da compra e da venda. Não havia muito o que fazer para controlar o
preço dos escravos na África e nas Américas. Já a taxa de
mortalidade variava de acordo com a saúde dos escravos, a sua
alimentação e a duração da viagem. Se os traficantes conseguissem
ludibriar a morte, poderiam não só cobrir o gasto estimado com as
perdas em trânsito, mas também obter maior margem de lucro sobre os
seus investimentos.
Pesquisadores,
utilizando métodos sofisticados e um grande leque de fontes,
demonstram que a taxa de lucratividade média do tráfico variava de
acordo com a demanda e a rota. Em geral, os lucros eram maiores em
rotas curtas e durante períodos de expansão do tráfico. Por
exemplo, a taxa de lucratividade média no tráfico para o Rio de
Janeiro, entre 1810 e 1820, teria sido de cerca de 19%. No comércio
britânico, entre 1761 e 1807, ela variou entre 8% e 13%. No tráfico
francês, entre 1713 e 1792, o lucro médio era de 10%, enquanto no
holandês, entre 1740 e 1795, era de apenas 3%.
Essas
taxas de lucro são maiores do que as de muitos fundos de
investimentos atuais, mas não era sempre que elas vingavam. De todo
modo, à medida que a demanda por mão de obra africana crescia, o
tráfico ia se consolidando como investimento atraente. E a
“lisonjeira expectativa” de ludibriar a morte, longe de se
inspirar em questões humanitárias, movia a mais elementar ganância
por lucros cada vez maiores.
fonte: artigo publicado pela "Revista de História da Biblioteca Nacional", por Daniel B. Domingues da Silva, que é professor da Universidade de Missouri, Estados Unidos, e autor de "The Atlantic Slave Trade from Angola: A Port-by-Port Estimate of Slaves Embarked, 1701-1867". International Journal of African Historical Studies, vol.46, no. 1, 2013.
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